Fundos de Investimentos

Fundos da Infinity: Médicos vão pagar a conta?

10min de leitura

Misael Guedes

Misael Guedes

Redação

Um assunto que veio à tona recentemente é o que envolve gestora Infinity e seu fundo Select, que enfrentou uma situação desastrosa que resultou em uma perda de R$ 455 milhões para seus 6,3 mil investidores.

A Vanquish Asset, que assumiu a gestão dos fundos da Infinity Asset em abril, não conseguiu cumprir com o pagamento de uma operação obscura envolvendo derivativos, causando uma queda significativa no valor dos fundos.

Este incidente levanta questões sobre a responsabilidade dos administradores fiduciários, distribuidores e consultores de investimentos.

Neste artigo vamos te contar tudo o que você precisa saber sobre o caso.

Quem é a Infinity Asset?

A Infinity é uma gestora independente de fundos de investimentos dos mais diversos tipos. A Infinity atua desde 2003 na gestão de fundos mas foi fundada um pouco antes, em 1999, prestando serviços de corretagem.

A gestora ficou muito conhecida pelos seus resultados, acima da média do mercado e dos índices de referência. Principalmente no seu fundo de renda fixa, o Select. O fundo acumulou rentabilidade de 61,4% desde o início, correspondente a 167% do CDI, e o melhor de tudo, com baixa volatilidade e liquidez diária.

Tudo isso fez com que muitos investidores investissem no fundo. Pra se ter ideia, o Select atingiu cerca de 10 mil cotistas no fim do ano passado, sendo que em janeiro do mesmo ano o número de cotistas era pouco mais de 1000.

Ainda no fim de 2022, os fundos da asset somavam quase R$ 700 milhões de patrimônio.

Quando tudo começou?

Em janeiro de 2021, os administradores da Infinity, André Tadeu Paes de Souza, Andréa Moreira Lopes, Celso Gil Fernandez e David Jesus Gil Fernandez, fizeram um proposta para regularizar a situação do fundo, que havia sido denunciado por supostas práticas ilícitas como:

  • não agir com lealdade em relação ao interesse dos cotistas,
  • não cumprir itens do regulamento nem respeitar limites de concentração por emissor nas aplicações em opções flexíveis, sem garantia,
  • e nem obedecer o limite mínimo de ativos relacionados à classe do portfólio (de renda fixa).

Essa ação foi protocolada em 2018, mas somente em 2021 a CVM rejeitou o pedido. E esse foi o primeiro sinal público da situação.

Pouco antes, em dezembro de 2020, uma comissão com mais de 30 pessoas (representantes de várias entidades de mercado) decidiu tirar o selo da Infinity de instituição aderente aos códigos da autorregulação, essa é a pena máxima que uma gestora pode sofrer.

Detalhe, a votação foi unânime. Após supervisão técnica, ficou constatado que a gestora violava todos os limites previstos no regulamento do fundo. Além disso, falhou também ao não acompanhar o risco de crédito das operações realizadas, ao não evitar conflitos de interesses e por faltar com a independência da área responsável pela gestão do risco e compliance.

Bom, isso por si só já era motivo pra encerrar a história por aqui. Mas advinha o que aconteceu? Uma liminar de justiça a favor da Infinity anulou os efeitos da sanção. E pelo processo ter que correr em sigilo, a autorregulação não pôde dar publicidade ao processo.

Ou seja, a gestora continua habilitada pela CVM, o que é no mínimo bizarro.

Desde 2020, o fundo publicava as demonstrações financeiras anuais com ressalvas do auditor, que sempre apontava problemas envolvendo derivativos, instrumentos financeiros capazes de potencializar ganhos ou perdas. Mas ainda assim os distribuidores continuavam a distribuir o fundo aos seus clientes.

Faz-me rir

Segundo um profissional do setor, em contato com o Valor Investe, essa distribuição aconteceu em troca de grandes rebates, que é a comissão que os distribuidores recebem pela indicação de produtos financeiros.

Como mencionamos mais acima, o fundo saiu de pouco mais de 1000 cotistas em janeiro de 2022 e no fim de novembro do mesmo ano o fundo já tinha mais de 10 mil cotistas.

Corrida aos fundos

Depois que a Anbima conseguiu finalmente comunicar a sanção à Infinity, 2 anos depois que os problemas foram identificados, o fundo Select sofreu uma forte onda de resgates.

A administradora da gestora decidiu fechar o fundo para captação e resgates, como boa parte dos recursos do fundo estavam presos em operações ilíquidas, quando as captações pararam, a gestão ficou num beco sem saída e sem dinheiro pra cumprir os resgates.

O patrimônio que já tinha encolhido, caiu mais de 80%. Somando tudo e tirando o que estava provisionado para as demais operações dos fundos, sobraram R$ 76 milhões.

No mesmo mês, na assembleia de cotistas, os investidores aprovaram a reabertura da carteira do fundo, mas com algumas condições. Os resgates deveriam ter prazo de cotização em 75 dias e o resgate no dia seguinte. Não sei se você lembra, mas o prazo de resgate era diário.

Logo depois disso, em março, através de uma consulta aos cotistas por e-mail, ficou decidido por pouco mais de 1/3 dos investidores que as carteiras da Infinity fossem transferidas para a Vanquish, que geria até esse momento R$ 5 milhões.

Novos nomes, velhos problemas

Um dia após a data marcada para a transferência dos recursos para os cotistas, 18 de maio, a Vanquish avisou que não conseguiria honrar os pagamentos por não ter conseguido liquidar um operação com opções, que veio da Infinity.

No fim de maio, a gestora montou um plano de recuperação e mandou pra administradora, esse plano seria votado pelos cotistas no dia 7 de junho. Nessa assembleia, os cotistas poderiam decidir se ficam com o administrador, com o gestor, com os dois ou nenhum deles.

Além disso, decidiriam novamente se o fundo seria reaberto ou mantido fechado pra resgate, ou liquidado, entre outras decisões importantes. Mais abaixo vamos contar o que houve nessa reunião, na verdade o que não houve.

O drama da UNIMED

Antes de falar como a situação pode causar muitas complicações para as operadoras de planos de saúde, é importante contextualizar como funcionam as operadoras.

Por lei, as operadoras são obrigadas a ter reservas para cobrir as despesas em caso de falência. Em todo o setor são mais de R$57 bilhões em reservas. Essas reservas podem ser imóveis ou dinheiro aplicado em produtos de baixo risco, como títulos do Tesouro.

Como a Infinity e os distribuidores comercializavam os fundos como conservadores, a Unimed viu aí uma boa opção pra deixar os recursos de suas reservas.

Mas como a gente viu, a gestora não era conservadora nem nos costumes, nem nas operações.

Cerca de 30 Unimeds investiram recursos nos fundos da Infinity. A situação mais grave é da unidade de Vitória, que perdeu R$ 165 milhões dos R$ 302 milhões que estavam na gestora.

Essa perda pode causar o desenquadramento da Unimed Vitória das regras de provisionamento, o que geraria uma intervenção da ANS.

Além da unidade de Vitória, outra unidade que tinha recursos nos fundos da Infinity é a Unimed Piraqueaçu, ali perto de Vitória. Essa unidade tinha aplicado R$7,5 milhões, que viraram R$ 2 milhões.

Lá em 2020, após o fechamento do Select, uma assembleia da Unimed discutiu a situação, mas resolveram permanecer investidos no fundo. A situação é mais grave do que parece, colocando em risco mais de 400 mil usuários da Unimed.

Confusão na Assembleia

A Vanquish Asset Management, teve uma reunião tumultuada com seus investidores. Durante a reunião, que durou quase três horas, os microfones foram cortados e os investidores não puderam mais se manifestar. A administradora do fundo, RJI, decidiu suspender a reunião.

Relembrando o que houve, o fundo Vanquish Pipa, antes conhecido como Select, perdeu 84% do seu valor em apenas cinco dias devido a uma operação com derivativos. Agora, a administradora está pedindo aos investidores mais nove meses para resolver o problema.

A RJI também informou que o prazo para apresentação das cédulas de votação da assembleia foi prorrogado para o dia 16. Nesse momento, o fundo tinha cerca de 5 mil investidores, um número bem menor do que os 10 mil que tinha em dezembro de 2022.

Duas gestoras especializadas em ativos estressados, a Arena Capital e a Veritas Capital, estão interessadas em assumir a gestão do fundo. A assembleia discutiu a proposta de liquidar as opções IDIs flexíveis adquiridas pela Infinity até 12 de fevereiro de 2024, nove meses após o vencimento original.

A Vanquish alega que tentou exercer as opções na data de vencimento, mas a contraparte não cumpriu com o pagamento. A empresa ICP Ventures teria atuado como intermediária e contraparte do fundo no papel, mas a Vanquish alega que a companhia estaria apenas representando um grupo empresarial atuante no setor de agronegócio, crédito de carbono e energia.

Como a transação não tinha garantia, a RJI atribuiu valor zero para os ativos após a falta de pagamento na data do vencimento. Isso levou a perdas de 85% para o Vanquish Pipa. Desde o dia 17 de maio, as cotas do fundo caíram de R$ 1,72 para R$ 0,26.

A KPMG, que fazia a auditoria independente do fundo, já havia apontado alguns problemas de enquadramento, como mencionamos mais acima.

O fundo estava desenquadrado no regulamento porque 60,01% do patrimônio estava investido em um instrumento financeiro derivativo, que tinha como objeto renda variável.

Enquanto isso, menos de 43% da carteira estava alocado em renda fixa. Vale lembrar que o Vanquish Pipa era comercializado como um fundo de renda fixa, e não variável.

Médicos vão pagar a conta do prejuízo?

Observando a Lei que rege as cooperativas, notamos algo interessante lá na Seção V, que conduz como as cooperativas deve lidar com prejuízos, dá uma olhada.

Artigo 89

"Os prejuízos verificados no decorrer do exercício serão cobertos com recursos provenientes do Fundo de Reserva e, se insuficiente este, mediante rateio, entre os associados, na razão direta dos serviços usufruídos, ressalvada a opção prevista no parágrafo único do artigo 80”.

Se a gente for lá no artigo 80, que é mencionado nesse artigo 89, vamos ver que ele estabelece que as despesas “da sociedade serão cobertas pelos associados mediante rateio na proporção direta da fruição de serviços.”

Parece que o assunto ainda vai render muito pano pra manga.

Não fui eu que iniciei a operação

Felipe Wada de Souza, um dos executivos da Vanquish, se defendeu das acusações afirmando que ele e nenhum de seus sócios foram responsáveis por iniciar a posição com derivativos que causaram prejuízo às carteiras.

Ele afirmou que não tinha acesso aos detalhes de outras estratégias na Infinity que não as suas próprias. A RJI Corretora, administradora da carteira, confirmou que a contraparte é a ICP Ventures, empresa que pertence ao próprio grupo Infinity e é responsável pela estruturação, consultoria e geração de negócios.

Um detalhe que não pode ser deixado pra trás: o documento que identifica a ICP Ventures, a suposta contraparte, como contraparte é assinado por David Jesus Gil Fernandez, CEO e fundador da Infinity.

Não é a primeira vez que uma empresa que tem David Fernandez como acionista majoritário é contraparte de operações realizadas pelos fundos de sua gestora, e também não foi só agora que essa prática resultou em problemas.

Além dessa situação, o processo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de 2018 (aquele mesmo), teve o julgamento marcado para o último dia 20 adiado a pedido de João Accioly, diretor da CVM, sem data para ser retomado, mesmo após decisão da relatora do caso.

David Jesus Gil Fernandez, CEO e fundador da Infinity, e outros executivos da antiga gestora são acusados de irregularidades em operações com contratos derivativos.

Parece até replay do caso atual, mas as contrapartes das operações da época eram uma empresa chamada I.C.P. e a Infinity CCTVM. David Fernandez era o único acionista da I.C.P. e o acionista majoritário da Infinity na época. Não é possível confirmar se a I.C.P. e a ICP Ventures são a mesma empresa, porque o CNPJ não está disponível.

No julgamento do dia 20, o Processo Administrativo Sancionador CVM N° 19957.009152/2018-34 ocorreu sob a supervisão do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A relatora do caso, Flavia Perlingeiro, decidiu pela penalização dos diretores da asset e da administradora dos fundos da Infinity, bem como das entidades jurídicas envolvidas.

As penalidades financeiras variaram entre R$ 170 mil reais e R$ 1 milhão. Além disso, David Jesus Gil Fernandez, da Infinity Asset, foi temporariamente inabilitado por cinco anos para ocupar cargos de administrador ou conselheiro fiscal de companhia aberta e de entidades que necessitem de autorização ou registro na CVM.

A Infinity Asset também foi temporariamente suspensa por cinco anos. Os outros executivos acusados no processo também receberam multas.

O presidente da autarquia, João Pedro Nascimento, concordou com o voto. No entanto, o diretor Otto Lobo se absteve do julgamento, alegando impedimento. O julgamento não foi finalizado, pois o diretor João Accioly solicitou um adiamento para análise mais detalhada.

O que a Unimed Vitória diz sobre o assunto?

A atual diretoria da Unimed Vitória, que assumiu em março, disse que assim que tomaram posse contrataram uma empresa de auditoria financeira e contábil e está analisando todos os dados envolvendo a Infinity.

“Tudo está sendo acompanhado pessoalmente por todos os integrantes da Diretoria Executiva e pelos Conselhos de Administração e Fiscal da Unimed Vitória. Também estão sendo adotadas as medidas judiciais cabíveis, bem como ações internas para proteger a cooperativa”, enviou a empresa por meio de nota.

O presidente da Unimed Vitória, Fabiano Pimentel, disse que o valor da reserva garantidora na ANS é variável mês a mês, e essa variação é justificada pelas mudanças nas provisões técnicas das operadoras de saúde. Com isso, essa reserva pode aumentar ou reduzir de acordo com as operações a serem realizadas.

Segundo Fabiano, o valor investido na Infinity representava 10% do total a ser lastreado por ativos garantidores junto à ANS, considerando a posição em 31/05/2023. E que a unidade estaria realocando valores de outros investimentos para repor esse percentual, caso houvesse necessidade de cobertura do lastro.

Depois de toda a confusão que ocorreu na Assembleia e alguns adiamentos, uma nova tentativa está marcada para o dia 30 de junho, caso aconteça atualizaremos o artigo com os detalhes.

VAROS 2024

Todos os direitos reservados