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Como a Americanas montou a maior fraude do Brasil e o que é o Risco Sacado

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Misael Guedes

Misael Guedes

Redação

O caso Americanas colocou em evidência um esquema de fraude financeira que causou um dos maiores escândalos do mercado financeiro brasileiro. Agora, depois da confissão da empresa os novos valores podem chegar a R$ 50 bilhões. Só pra gente ter ideia do tamanho do rombo, o caso da OGX, que deu calote em seus credores, gerou R$ 10 bilhões de prejuízo.

Agora, foi criada uma CPI pra investigar o esquema, após a empresa confessar a fraude.

Este artigo foi atualizado com todos os últimos acontecimentos, então não deixe de acompanhar, caso queira somente as atualizações, nos últimos tópicos você irá encontrar as últimas informações.

O que é o Risco Sacado e a Antecipação de Recebíveis

Se você é empreendedor ou trabalha na área financeira, você sabe que as contas a receber podem ser um grande desafio. Afinal, nem sempre os clientes pagam suas faturas na data de vencimento, o que pode causar problemas de fluxo de caixa.

Por causa disso, muitas empresas acabam recorrendo à antecipação de recebíveis, que é uma prática onde a empresa vende suas faturas a um terceiro e recebe o dinheiro antes do prazo de vencimento.

Uma das modalidades da antecipação de recebíveis é o Risco Sacado, que consiste no serviço de antecipação oferecido por bancos e instituições financeiras para empresas que compram mercadorias ou produtos de um determinado fornecedor, essa operação é muito comum no varejo.

E talvez, até o caso Americanas, você nunca tenha ouvido falar desse termo, mas fique em paz que neste artigo vamos falar mais sobre o que é o risco sacado e como ele afetou a Lojas Americanas. Então, fica comigo que te explico.

Antecipação de Recebíveis

Antes de partir direto pro Risco Sacado precisamos deixar um espaço para entender o que é a famosa antecipação de recebíveis.

A antecipação de recebíveis é de forma simples, a antecipação de um valor que seria recebido futuramente, como uma forma de capitalizar.

Imagine que você é um fornecedor. Vende suas mercadorias pra uma grande empresa de varejo, com prazo de pagamento para 60 dias. Na prática o que pode ser feito é a antecipação desse valor à receber, mas através de uma instituição financeira, que assume esse recebimento por parte da varejista na data inicialmente acordada. O mesmo pode ser feito para as compras no cartão, cheques e etc.

Mas que vantagem a instituição que faz esse adiantamento tem?

Elas fazem o que todo banco faz, ganhar com os juros cobrados. Essas instituições aceitam fazer a antecipação do recebível daquele fornecedor cobrando uma pequena taxa de juros em troca da liberação imediata do valor que seria recebido 2 meses depois.

Mas isso não seria um empréstimo?

A principal diferença é que no empréstimo, a instituição avalia o histórico de crédito de quem solicita, por isso a taxa de juros é mais alta. Já na antecipação ela tem uma garantia (que nem sempre é tão garantido assim) de que vai receber os valores na data pré determinada, podendo assim cobrar uma taxa de juros menor.

Como Funciona o Risco Sacado

O risco sacado é uma operação muito presente nas grandes varejistas e empresas de venda, onde após o faturamento dos produtos, com prazo de vencimento mais extenso, o fornecedor recebe o pagamento através de uma instituição financeira, o varejista agora não tem mais dívida com esse fornecedor e sim com a instituição que fez o adiantamento ao fornecedor.

Nesse momento é comum acontecer um prolongamento da dívida, por até 360 dias. A diferença básica está aí, no prazo de pagamento do comprador para a instituição financeira, que pode ser prolongado.

Então o “risco-sacado” está nas instituições financeiras, que correm o risco de não receber o valor.

Risco Sacado: Caso Americanas

No segundo semestre do ano passado, 2022, a Lojas Americanas anunciou ao mercado seu novo CEO, Sergio Rial, que vinha do Banco Santander, num movimento que ao mesmo tempo animou o mercado fazendo as ações da companhia subirem mais de 20% num único pregão. Mas a vida é uma caixinha de surpresas e essa história não parece ter tido um final feliz.

Rial assumiu o bastão no início do ano, mas o que parecia ser um novo tempo para a Lojas Americanas se tornou um verdadeiro mar de sangue em suas ações.

Ele deixou a empresa apenas 9 dias depois de assumir, declarando que haviam sido encontradas inconsistências no balanço da empresa, inconsistências essas que giravam em torno de R$ 20 bilhões.

Rial afirmou que as inconsistências estavam relacionadas ao risco sacado da empresa.

Como funcionava o risco sacado na Americanas?

A varejista tinha costume de atrasar os pagamentos aos fornecedores, em períodos muito acima da média do mercado, 180 dias, e se sustentava na adoção do financiamento de risco sacado.

A empresa atrasava o pagamento o máximo possível, os fornecedores bloqueavam a linha de crédito, as compras ficavam travadas, aí a Americanas autorizava esses fornecedores a fechar contratos de risco sacado para a dívida. As linhas de crédito eram novamente liberadas e a engrenagem voltava a girar até se repetir.

Como o risco sacado nesse caso financiava dívidas já vencidas, isso fazia girar o modelo de crédito dos bancos aos fornecedores.

Como você pode imaginar, quanto maior a quantidade de dívidas atrasadas, maior era o volume de transações repassadas às instituições. O SCR informou que o valor de operações de crédito da Americanas subiu 3x de 2020 a 2022.

Uma dívida de produtos faturados para a empresa, com prazo de vencimento de 120 dias vencia, e somente semanas depois o fornecedor buscava uma negociação.

Por conta dessa prática da empresa de não honrar seus pagamentos, os fornecedores já embutiam 10/15% a mais no valor dos produtos em relação ao valor cobrado para empresas de eletro e mercados, e ganhavam nesse ágio.

A Americanas só apresentava a proposta de antecipação dos valor devidos após o contato do fornecedor, apresentavam então a proposta de risco sacado no valor total das faturas e os fornecedores aceitavam, já que era pegar ou largar, não era como se a Americanas se preocupasse em manter suas contas em dia, e para não tomarem o calote, acabavam aceitando.

Segundo fontes informaram ao Valor, a Americanas enviava por e-mail uma planilha de Excel com os valores das faturas em atraso, mas sem a data de vencimento original, com o número da fatura e uma nova data de pagamento.

Horas depois, o banco da operação encaminhava um contrato básico de risco sacado, com as mesmas informações do Excel. O negócio era fechado por e-mail mesmo.

Após isso, havia ainda dois ajustes. A Americanas passava para o fornecedor que arcaria com o reembolso dos juros do pagamento da dívida vencida, que deveria ser paga pelo fornecedor ao banco. E ainda tinha um "rebate" do banco para a Americanas por ter indicado o contrato à instituição.

Todos se beneficiam desse sistema, mas é importante mencionar que até o momento não existem indícios de que alguém além da Americanas possa estar envolvidos na "possível fraude". Os fornecedores vendiam e giravam seus estoques. Os bancos ganhavam nos juros. E a Americanas conseguia montar uma operação de pagamento de longo prazo.

A empresa ia alongando o passivo ao longo do ano e não fazia a contabilização do risco sacado. Outra dúvida que paira é sobre como a Americanas computava nos balanços os juros que reembolsava à indústria e o rebate mencionado pelos fornecedores.

A Americanas informou que as despesas financeiras com o risco sacados entravam como redutor na conta Fornecedores, o que é errado, já que a dívida desse tipo era com os bancos e deveriam entrar em outra conta somando.

Resumindo, o risco sacado entrava descontando na linha Fornecedores. O risco era que, com a alta nos juros, o valor fosse tão alto que a conta ficaria negativa. Os bônus, dividendos, impostos, foram pagos com base nesses valores errados.

Atualmente a dívida da empresa, que solicitou a Recuperação Judicial, já supera os R$ 47 bilhões e a cada dia surgem novas informações sobre o caso que parece estar longe de acabar.

A confissão da fraude

A Americanas, uma grande loja de varejo, revelou detalhes sobre um grande esquema de fraude que causou um grande prejuízo financeiro para a empresa. A empresa fez uma investigação independente e descobriu que contratos eram feitos sem realmente contratar fornecedores, e isso era feito com o conhecimento dos diretores da empresa, incluindo o ex-CEO Miguel Gutierrez.

As ações da Americanas subiram depois que a empresa divulgou os resultados da investigação. No final do dia, as ações subiram 6,03%, negociadas a R$ 1,23. Em um ponto, as ações chegaram a R$ 1,38, um aumento de 18,97%. A investigação mostrou que a antiga diretoria da empresa estava falsificando os relatórios financeiros da empresa e tentando esconder a verdadeira situação financeira da empresa.

Gutierrez, que comandou a Americanas por cerca de duas décadas, deixou a empresa no final do ano passado, antes do escândalo ser revelado. A investigação também indicou que outros diretores, que já foram afastados, estavam envolvidos na fraude.

A investigação também revelou que a empresa estava fazendo uma série de empréstimos sem as devidas aprovações, o que era necessário para manter a empresa funcionando. Esses empréstimos foram contabilizados de forma inadequada, o que fez com que a dívida da empresa parecesse menor do que realmente era.

A Americanas tem adiado a divulgação de seus resultados financeiros desde que o escândalo foi revelado em janeiro. A empresa ainda não divulgou os resultados do quarto trimestre do ano passado nem do primeiro trimestre deste ano.

O rombo financeiro de cerca de R$ 20 bilhões foi revelado ao público por Sérgio Rial, que assumiu o cargo de CEO após a saída de Gutierrez. Ele deixou o cargo no mesmo dia em que revelou o que chamou de "inconsistências contábeis". Isso fez com que a dívida da empresa dobrasse e passasse a mais de R$ 40 bilhões. A empresa entrou com pedido de recuperação judicial logo depois.

Os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Sicupira, que são os principais acionistas da Americanas, negam envolvimento na fraude. Eles planejam injetar R$ 10 bilhões na empresa como parte do plano de recuperação judicial.

Vai um aumento aí?

Antes de a fraude na Americanas ser revelada ao público, a empresa aumentou bastante o salário dos seus diretores. Isso fez com que a diferença entre o salário do CEO (o chefe maior da empresa) e o salário médio dos outros funcionários ficasse ainda maior.

A diferença chegou a ser 740 vezes maior, o que é uma das maiores diferenças do Brasil. Isso significa que o CEO ganhava 740 vezes mais do que o funcionário médio da empresa. Essa diferença aumentou 70% em comparação com o ano anterior.

O CEO da Americanas na época era Miguel Gutierrez, que ficou no cargo por 30 anos. Ele e outros diretores são acusados de serem os responsáveis pela fraude. Gutierrez foi substituído por Sérgio Rial pouco antes do escândalo ser revelado. Rial ficou no cargo por apenas um mês.

Não foi só o CEO que teve aumento de salário. Todos os diretores da empresa tiveram um aumento de 40% no salário no ano passado. A empresa pagou R$ 13,7 milhões para a diretoria, o que é R$ 3,1 milhões a mais do que no ano anterior. Além disso, os bônus para os diretores aumentaram de R$ 7,9 milhões em 2021 para R$ 10,7 milhões.

CPI da Americanas

Na terça-feira, o atual CEO da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, apresentou à CPI uma série de e-mails, conversas por WhatsApp, planilhas e outros documentos que mostram como a antiga diretoria, liderada pelo ex-presidente Miguel Gutierrez, escondeu operações de financiamento irregulares e criou mecanismos internos para ocultar do conselho de administração e do mercado financeiro informações verdadeiras sobre a situação da empresa.

Pereira disse que os fatos apresentados por ele mostram que o rombo na Americanas não é apenas uma inconsistência contábil, mas um crime. Ele explicou que a antiga diretoria da Americanas falsificou lucro e precisou de um empréstimo bancário para colocar dinheiro na operação e a fraude não ficar transparente para ninguém.

O escândalo veio à tona após Sergio Rial, ex-CEO do Santander e que havia sido contratado para comandar a Americanas, denunciar as tais inconsistências contábeis. Rial ficou apenas nove dias no cargo, alegando que desistiu de liderar a empresa ao conhecer as maracutaias nos balanços.

Por enquanto, todo o peso das fraudes recai sobre os ombros do antigo CEO, Miguel Gutierrez, e sua diretoria. O material apresentado à CPI não menciona os acionistas majoritários da empresa, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. Pereira disse aos parlamentares que, se eles estiverem envolvidos e a investigação ainda está em andamento, eles serão responsabilizados.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está investigando a conduta dos acionistas, de Rial e de integrantes da antiga diretoria. Também estão na mira do órgão regulador as auditorias PwC e KPMG, que aprovaram as contas da empresa, e a B3, a bolsa de valores de São Paulo, por ter listado a Americanas no Novo Mercado, categoria que deveria incluir apenas empresas com elevados níveis de governança.

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