Diário de Omaha

O futuro chegou AI? - Diário de Omaha 48

22min de leitura

Gabriel Boente

Gabriel Boente

Analista de Agronegócio

O futuro chegou AI?

Por Gabriel Boente

A tecnologia funciona como os pés da humanidade, já que é o que nos move em frente, rumo a novos destinos. Com nossos pés (e pernas), podemos caminhar, saltar e correr . Aliás, a metáfora é tão forte que até chamamos algumas invenções de "saltos tecnológicos": o domínio da agricultura, as grandes navegações, a profusão da internet.

Porém, com os pés da humanidade, vez ou outra corremos ou saltamos demais em um campo que não conhecemos. Isso pode trazer feridas, calos e… bolhas! A tecnologia é quase um ímã de bolhas. Não as fisiológicas, mas as do capitalismo mesmo.

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Se você parar pra reparar, os 3 saltos que citei, além de terem feito a humanidade avançar tecnologicamente, também nos deram bolhas.

A bolha da "agricultura" foi com a Mania das Tulipas na Holanda, no século XVII, que é conhecida como a primeira bolha da história. A bolha das "grandes navegações" teve seu caso mais emblemático com a SSC na Inglaterra, no século XVIII (e fez o glorioso Sir Isaac Newton perder muita grana). E a bolha da "internet" teve seu primeiro brilho na virada do século XXI, com a "crise PontoCom" e a "Paranóia das NFTs" em 2021.

Bolha, no sentido econômico-financeiro, é quando um ativo passa a ser negociado por preços muito acima de seu valor de mercado. Esses preços altos continuam subindo em uma retroalimentação da especulação: mais pessoas querem comprar, pois o ativo só se valoriza. Até que chega um ponto que está tão caro, que o mercado cai em si e vê que nada daquilo fazia sentido. Então a bolha estoura e aí a criança chora e a mãe não vê.

O início de uma bolha explica o motivo de novas tecnologias serem alvos fáceis. Os investidores começam a se interessar por um tema e derramam expectativas enormes (em forma de grana, é claro). A euforia, junto com a ganância, geralmente resulta em uma cegueira temporária. E, às vezes, é difícil julgar: o PowerPoint aceita tudo e um bom storytelling fez os gênios acreditarem que o Segway iria mudar a forma de locomoção da humanidade (e ainda ser rentável).

Mas esse texto não é sobre bolhas! É sobre uma tecnologia que está ganhando muita atenção (e esse é o primeiro passo para a formação de uma bolha). Acontece que uma tecnologia só é notada pelo grande público quando esse público consegue usar e perceber valor (convenhamos que uma figurinha de macaco não tem muito uso). No apagar das luzes do ano passado, em dezembro, uma empresa chamada OpenAI, lançou um chatbot chamado ChatGPT e muita gente notou.

Um chatbot é um "assistente virtual" que é programado para responder às perguntas dos usuários. Isso não é uma novidade. O banco Bradesco faz campanhas na TV anunciando seu chatbot, a Bia (que NÃO conhece o Diário de Omaha). Essa programação é feita com um algoritmo sofisticado o suficiente para atender o usuário (sem precisar de um humano ajudando). Esse algoritmo sofisticado se chama "inteligência artificial" (que vamos chamar de AI).

inteligencia artificial do banco bradesco

"OK! Se não é algo inédito, então por que se ouve falar tanto em ChatGPT?"

É aqui que as coisas ficam interessantes…

O ChatGPT é um chatbot sim! Mas a AI por trás dele é chamada de "AI Geradora" (tradução feita pelo autor). Uma "AI Geradora" é um algoritmo sofisticado o suficiente para criar algo novo, como textos, imagens, vídeos, poemas. Como ela faz isso? A partir de dados que já existem (na internet), dadas as referências solicitadas.

Então, se você pedir que o ChatGPT crie um poema ou código em python para lançar um foguete, ele vai varrer toda a internet atrás de dados e combiná-los de forma a atender o seu pedido.

É capaz de você poder pedir uma descrição da batalha de rima de Shakespeare contra Carlos Drummond de Andrade. Só que a AI é tão boa, que vai parecer que isso realmente aconteceu (e claramente, o Brasil ganharia nessa batalha).

Como o ChatGPT precisa de "treinos", ou seja, ser usado continuamente para que a AI possa aumentar sua base de dados (chamamos isso de "deep learning"), esse chatbot foi lançado em dezembro de 22 de forma gratuita (o site é esse, caso queira usar). O serviço é tão impressionante que, em 1 semana no ar, ele bateu a marca de 1 milhão de usuários (e por isso o site cai toda hora). Pra se ter uma ideia, o Twitter e o Facebook levaram 24 e 10 meses, respectivamente, para atingir o mesmo número de usuários.

E dá pra fazer MUITA coisa com essa AI. Alguns exemplos: escrever uma thread de Twitter. Colar no dever de casa (o que tá dando uma treta com as escolas e universidades). Dicas de namoro e dates. Planejamento Fitness. E até explicar algo difícil como se o usuário fosse uma criança de 10 anos.

Revolucionária, criativa, amedrontadora (exceto se você for o John Connor, do filme "O Exterminador do Futuro") e grátis! Qual a pegadinha? O que está por trás? O que pode dar errado?

Bem, vamos voltar um pouquinho.

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O OpenAI, laboratório que desenvolveu o ChatGPT, foi fundada em 2015 por alguns FIGURÕES do Vale do Silício como: Elon Musk (que saiu em 2018), Peter Thiel (que co-fundou o PayPal com Musk) e Sam Altman (que investiu em Airbnb, Reddit e Pinterest). Além disso, grandes nomes da indústria de Venture Capital como a Sequoia Capital e o Andreessen Horowitz, botaram grana no início do OpenAI. Quer mais? Em 2019, a Microsoft investiu US$ 1 bilhão nesse laboratório para desenvolver uma AI em conjunto.

Assim, com tanta gente grande e dinheiro pesado, as chances de criar algo interessante eram maiores. Em 2021, a OpenAI fez uma rodada de captação de investimentos que fez com que ela fosse avaliada em US$ 20 bilhões. Agora, em 2023, o Wall Street Journal soltou a informação de que há conversas para uma nova rodada que iria avaliar a empresa em US$ 30 bilhões.

Um aumento no valor de mercado de US$ 10 bilhões em pouco menos de 2 anos é impressionante… e acende um alerta (em mim, pelo menos).

Quando o capitalismo estoura uma bolha (com sua agulha da realidade), o homem vai lá e enche outra. 2022 foi o ano do balde de água fria na indústria de Venture Capital, já que a bolha da Web 3.0 (e a febre do metaverso e NFT) estourou merecidamente, pois era um desastre anunciado. A galera do risco precisava de algo novo pra chamar de seu e voltar a investir pesado.

Em dezembro, o ChatGPT foi lançado e botou a AI Geradora no radar do público em geral. Mas em outubro, a AI Jasper já levantava US$ 125 milhões em uma rodada Série A (como se fosse a primeira rodada de uma startup que já está testando o produto no mercado), o que deu um valuation de US$ 1,5 bilhões. Em dezembro, a Runway (outra empresa de IA), levantou US$ 50 milhões, conseguindo um valuation de US$ 500 milhões.

Como são tecnologias que precisam ser treinadas para aprenderem mais (e irem melhorando), muitas estão sendo disponibilizadas gratuitamente ao público. Isso faz com que elas não estejam rentabilizando tanto assim. Aí vem a pergunta do bilhão: como fazer dinheiro com AI? E como justificar os valuations (que já estão querendo chegar na estratosfera)?

Exemplo disso é a própria OpenAI. De acordo com o Wall Street Journal, as receitas dela em 2022, foram na casa das dezenas de milhões de dólares. Com um valuation de US$ 30 bi, podemos ter um múltiplo entre 290x e 2900x a receita (nesse mercado, os múltiplos comandam, não condene o mensageiro). Por outro lado, a Jasper esperava fechar 2022 com uma receita de US$ 75 milhões. Isso daria um valuation de 20x a receita.

Em 2022, o ano fechou com 78 investimentos em empresas de AI ao redor do mundo. No total, foram cerca de US$ 1,37 bilhões desembolsados. Mais que os últimos 5 anos somados. Se levarmos em consideração que são ferramentas que as empresas ainda não sabem como rentabilizar bem, esse número pode levantar um alerta vermelho nos mais céticos.

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Claro, as soluções são fantásticas e investimentos de risco são necessários para acelerar o investimento. Mas é preciso tomar cuidado, pois a grana do Venture Capital pode ser igual a nicotina: parece inofensiva e dá um efeito legal, mas quando perceber, você pode ficar totalmente dependente disso (e largar é bem difícil).

E também, temos que lembrar que as soluções de AI ainda estão evoluindo. Muitos usuários relatam que o ChatGPT às vezes retorna com respostas erradas (tão bem escritas que parecem certas), sem contar com o problema no Quênia, onde a revista Time revelou que a OpenAI pagava apenas US$ 2 por hora aos quenianos para identificar e eliminar elementos nocivos que a AI poderia aprender (pra evitar que vire uma "deep web").

Quem manja do mercado indica que estamos passando por uma "Euforia Inicial" com as soluções de AI (o famoso hype). Essa euforia não aponta muito sobre o futuro. A própria internet passou por isso (e teve até uma bolha no meio), mas se provou algo que mudou a história.

Precisamos sempre estar atentos aos fundamentos de valor pra saber em qual direção este barco está navegando. Eu acredito que essa será uma tecnologia que vai vingar e possa servir de "pé" para fazer a humanidade avançar sim.

Mas é aquilo: cautela e hidratação não fazem mal a ninguém.

Olho no futuro!

OBS: Todas as imagens, exceto a conversa com a Bia, foram geradas pela AI Dall-E, também do laboratório OpenAI.

O Truco da Rússia

Por Saulo Pereira

cartas de truco

A Guerra na Ucrânia já tá durando quase 1 ano e ainda não temos sinais de que ela vá acabar tão cedo. Mas uma coisa está surpreendendo a todos, principalmente o presidente russo Vladimir Putin: A Europa está conseguindo contornar os cortes de gás natural vindo da Rússia.

Desde a invasão russa à Ucrânia, toda a Europa impôs sanções à Rússia para sufocar economicamente o país e tentar acabar com a guerra sem se envolver diretamente. Claro, isso deixou o governo russo revoltado. Sabendo que 50% de toda energia europeia vinha do seu gás, ele decidiu cortar gradativamente o abastecimento nos principais países do velho continente. Isso fez o preço da energia disparar, revivendo momentos de inflação.

Ou seja, Putin, com a carta do fornecimento de gás, pediu “truco” contra boa parte da Europa.

A maior parte desse gás é transportado através de gasodutos que atravessam países transitórios, como a Ucrânia, Belarus e Polônia. Os países europeus mais dependentes do gás russo são a Alemanha, Itália, França, Países Baixos e Polônia. Esses países são as maiores economias da Europa e também os que mais demandam gás natural.

O maior gasoduto que abastece a Europa se chama Nord Stream. Ele está fechado desde agosto do ano passado e rolam acusações de que a Rússia possa tê-lo danificado de propósito. Isso fez toda a Europa adotar como principal estratégia comprar gás no mercado internacional.

Em uma saga estilo “Game of Thrones”, toda a Europa estava se preparando para um inverno de apagões. Porém, em questão de meses, a Alemanha surpreendeu a todos quando o chanceler Olaf Scholz afirmou: "A segurança energética para este inverno está garantida".

Se a Rússia pediu “truco”, os alemães se prepararam e pagaram pra ver.

Uma coisa muito surpreendente foi que, em menos de 200 dias, a Alemanha conseguiu construir o primeiro terminal do país para importar Gás Natural Liquefeito (GNL). Basicamente, nestes terminais, o gás em forma líquida é convertido de volta à forma gasosa e transportado para as casas das pessoas.

A principal empresa importadora do gás russo, a Uniper, recebeu uma ajuda de mais de 15 bilhões de euros do governo alemão, que passou a possuir 30% da empresa. Agora, o terminal de gás liquefeito está sendo operado por esta companhia.

Ainda não vazaram informações oficiais de onde eles comprarão o gás no mercado internacional. O máximo que temos são diversos boatos falando que esse GNL virá de países como Estados Unidos, Noruega e Emirados Árabes Unidos.

Mas nem tudo são flores. Os países mais pobres e que precisam do GNL, como Bangladesh e Paquistão, podem ficar prejudicados com a força do dinheiro alemão. Se isso acontecer, esses países podem se ver obrigados a usar fontes mais baratas. Ou seja, usar os combustíveis fósseis mais poluentes. Apesar do GNL fazer parte desse grupo, ele ainda é menos nocivo ao meio ambiente que os outros.

Definitivamente, a Rússia tem causado uma dor de cabeça em todo mundo com essa guerra.

Muito provavelmente, o grande desafio para a Alemanha e toda a Europa nos próximos anos será esse equilíbrio entre as fontes de energia e a inflação.

Imagina você estar pagando R$ 200,00 de conta de luz e simplesmente, do nada, ter que pagar R$ 600,00. O que você faria? Fora o desespero, o ideal é correr atrás de formas mais baratas para continuar tendo eletricidade. Mas aqui a forma mais barata (no curto prazo) também é a mais poluente. Não soa bem uma nação banir os carros movidos a gasolina, enquanto a eletricidade dos carros elétricos vêm das termelétricas movidas a carvão.

´Vamos acompanhando, um passo de cada vez. O primeiro passo, que era se livrar da dependência russa, foi dado e o truco de Putin não fez a Alemanha correr do jogo.

😎Fala Dudu!

Sua carta sátira semanal do gestor do primeiro hedge fund de Niterói

Por @dudufromniteroi

Adeuuus ano velho! Feliz ano novo! Olha quem tá de volta, diretamente da praia de Itacoatiara, no meu glorioso município de Niterói. Teoricamente, meu ano só começa após o Carnaval, mas como eu amo muito meus sobrinhos (e aconteceu pouca coisa neste ano), eu arranjei um tempinho pra Carta Semanal da Nikiti Asset Management.

Bora pras notícias do ano novo?

Better Call Frank - Essa história é digna de um mercado de Venture Capital mesmo. O enorme banco JP Morgan pagou US$175 milhões na compra da Frank, uma startup focada em finanças para universitários. Até aí tudo bem.

Porém, após fazerem o básico (que é checar os precedentes e tudo sobre a empresa), viram que o CEO da startup havia metido o famoso caô. Os analistas do banco perceberam que a empresa possuía menos de 10% dos clientes que alegavam ter. Ou seja, caíram no urubu do pix com uma startup que praticamente não existe.

Como é uma startup focada em finanças para universitários, desconfiamos muito que o CEO fez medicina na USP e liderou a banca de formatura.

Demissões no Paraíso - Ninguém trabalhou mais na semana passada que o RH das Big Techs. 12 mil cabeças rolaram no Google somente na sexta (20). Na Microsoft e na Amazon já foram 10 mil, sendo que a previsão é que mais 8 mil rodem nesta última.

O discurso é o mesmo e totalmente calcado na realidade: acabou a farra da liquidez e de altos custos. O inverno chegou!

Mas quem pensa que esses cortes de custos são exclusivos dos gringos, está redondamente enganado. A XP anunciou que as demissões devem chegar a 10% do quadro geral. Mas não somente demissões serão feitas. A empresa também irá cortar o patrocínio de grandes eventos da cultura brasileira como a Farofa da Gkay. Um duro golpe no entretenimento nacional.

Vendo tudo isso, eu posso classificar a Nikiti Asset Management como uma big tech, já que durante o ano inteiro os estagiários trabalham 12 horas por dia e, no final do ano, eu mando a metade embora. Fala desse unicórnio agora!

Brasil, um país de todes, volta ao normal - Lula voltou e parece que a normalidade brasileira também.

Temos filhos de políticos condenados assumindo ministérios. Temos políticos com parentes exalando envolvimento com a milícia assumindo ministérios (ok, isso nunca saiu de pauta). Temos Eduardo Bolsonaro reclamando de alguma coisa (até porque o cachorro quando alcança o próprio rabo, não sabe o que fazer com isso). Zé de Abreu destilando ódio e preconceito.

Mas eu sei que vocês estão querendo que eu comente sobre o Idosopalooza que rolou na Esplanada. Vou trazer informações inéditas pra vocês!

Acionamos o setor de inteligência da NAM, que é mais eficaz que a polícia da Capital (e menos que as internações do Bolsonaro). Nossos analistas concluíram que a maior motivação dos atos não era tentar dar um golpe de Estado. Os manifestantes estavam reivindicando mais políticas públicas para os  idosos, pois se eles tivessem o que fazer não estariam ali. Se cada município brasileiro oferecesse uma aula de hidroginástica 3 vezes por semana, nem estaríamos discutindo isso.

Porém, vendo que não seriam atendidos, aí tentaram dar um golpe pra instaurar a República Popular de “Como Antigamente”, onde teríamos que cantar o hino nacional nas escolas e direcionar parte do FGTS para nossas amantes no Maranhão.

“Não tankou e foi de base” - Os jovens possuem um incrível poder de criar gírias e bobeirinhas pra se comunicarem entre si. Ano passado, a expressão que ganhou o mundo foi “Não tankou e foi de base” (principalmente a segunda parte). “Não tankar” é não aguentar ou suportar algo. “Foi de base” é perder ou morrer no joguinho (aquele revés clássico).

O “Foi de base” caiu na boca do povo. Ainda ganhou variações criativas, mas com o mesmo significado: “foi de arrasta pra cima”, “foi de Rainha Elisabeth” e a mais recente “foi de Americanas”.

Se você, assim como eu, estava em uma caverna e não viu as notícias em 2023, saiba que as Lojas Americanas estão… “indo de Americanas”. Essa história começou dia 11/01, quando o CEO Sérgio Rial anunciou sua renúncia do cargo 9 dias após assumir. Ele era a grande esperança dos controladores da companhia e as ações estavam em tendência de alta pela grande expectativa.

Junto à renúncia veio a revelação de um rombo contábil de R$ 20 bilhões, mais que seu valor de mercado (tô comparando só números absolutos, ok?). Pouco menos de duas semanas após a renúncia, os dias foram tranquilos: a empresa viu que o rombo poderia ser maior. Ela perdeu quase todo valor de suas ações na bolsa. Arrumou treta com os bancos credores (principalmente o BTG). E entraram em Recuperação Judicial, que é o equivalente a entubar o paciente para tratar na UTI.

A história ainda tá rolando e a gente ainda tá entendendo o que exatamente aconteceu. Seja como for, o estagiário Julinho disse que é o momento de comprar as ações da AMER3.

Assim como as ações, Julinho também foi de Americanas. Vaga reaberta.

E foi isso, meus sobrinhos! Titio Dudu de Niterói estava com saudade de vocês! Que 2023 seja um ano de excelentes negócios e perturbação pra render piadinhas na nossa carta semanal.

Abraços.

O Golden State Warriors e a Eficiência (ou não) dos Mercados

Por Pedro Ávila

Na última semana, o Fã de esportes, como é conhecido o telespectador da ESPN no Brasil, foi pego de calças curtas com o anúncio da saída de um dos principais narradores da emissora, o saudoso Rômulo Mendonça.

foto do romulo

Dentre os vários bordões consagrados pelo narrador ao longo da última década, um dos mais amados pelo público é o “JARARACAAAA! TSSSS, TSSSS”, em homenagem ao jogador de basquete do Golden State Warriors, Stephen Curry.

O que boa parte do público de basquete não sabe é que o veneno do Curry nos arremessos de 3 pontos foi tão grande que ultrapassou o esporte e se tornou parte de um dos assuntos mais polêmicos do mercado financeiro: a Hipótese dos Mercados Eficientes (EMH).

Caso você não tenha nenhum conhecimento prévio sobre basquete ou eficiência dos mercados, te garanto que os próximos parágrafos vão ser o meio mais didático para você aprender sobre os temas.

E vai aqui um spoiler… mercados eficientes versus mercados ineficientes são quase tão polêmicos quanto Biscoito versus Bolacha. De um lado, os defensores da Hipótese do Mercado Eficiente, como Eugene Fama, e do outro os críticos comportamentais da EMH, como Daniel Kahneman.

Por sorte, no centro estamos nós, apaixonados por mercado, esporte e, claro, por uma boa dose de fofoca. Sendo assim, vamos deixar a enrolação e partir para o que interessa.

Quando Tudo era Mato

Nossa história começa lá na década de 60, quando tudo isso aqui ainda era mato e os gestores de portfólio não tinham muita noção do que estavam fazendo. Na verdade, a Teoria Moderna do Portfólio, criada por Harry Markowitz, já havia sido inventada, mas era tão popular quanto o 3º goleiro da seleção da Bolívia.

Esse senhorzinho aí da foto chama-se Eugene Fama. Ao contrário da imensa maioria do mercado financeiro na época, ele não só conhecia como via um enorme potencial na teoria desenvolvida por Markowitz na década de 50.

foto gestor

Fama gostava tanto desses estudos quantitativos sobre o mercado, que resolveu se aprofundar no tema. Entre os anos de 1960 e 1964 ele participou do programa de Doutorado da University of Chicago e, acredite, isso mudou completamente o mundo das finanças!

A tese de Doutorado dele, “O Comportamento dos Preços do Mercado de Ações”, foi uma completa reviravolta. A partir dela foi possível responder uma pergunta que pairava há décadas: “até que ponto os preços das ações no passado podem prever os preços das ações no futuro?

Até esse ponto, investidores e analistas ao redor do mundo tentavam detectar, nos preços anteriores das ações, padrões geométricos que mostrassem uma tendência. Esse tipo de análise, chamada de análise técnica ou gráfica, presumia que a história se repetia. Em outras palavras, eles acreditavam que padrões de mudanças nos preços passados se repetiriam no futuro e ao identificá-los seria possível prever o preço de uma ação e ganhar muito dinheiro.

Porém, em sua tese de Doutorado, Fama sugeriu uma hipótese de passeio aleatório para o preço das ações. Em uma analogia com a loteria, ele sugeria que o fato de determinados números aparecerem no passado não significava que estivessem mais ou menos propensos a aparecer no futuro.

Ele conseguiu mostrar, no que chamou de “detalhe nauseante”, que o modelo de passeio aleatório era válido e nenhum desses esquemas de previsão funcionaram 100% quando aplicados nos retornos diários do Dow Jones 30 entre 1958 e 1962.

Fama concluiu que “a leitura de gráficos, embora possa ser um passatempo interessante, não tem valor real para o investidor de mercado de ações”.

foto grafico

Ele também descobriu que a distribuição dos retornos das ações ficou parecida com o gráfico de uma distribuição normal de probabilidades, só que com caudas mais grossas. Isso significa que em diversos dias houve ganhos ou perdas diários mais extremos do que o esperado pela distribuição normal.

A consequência dessas descobertas é que dadas as caudas mais grossas, os retornos das ações são muito mais arriscados do que preveem os modelos de distribuição normal utilizados.

É muito bom termos isso em mente, porque há uma mística no mercado de que essas caudas grossas são uma violação da EMH, mas na verdade elas fazem parte do modelo de Fama.

Outro ponto que precisa ficar claro é de que essa imprevisibilidade dos retornos das ações em nada tem a ver com o formato da distribuição dos retornos das ações. Na verdade, a explicação para esse fenômeno viria do trabalho seguinte de Fama, a famosa  “Efficient Markets Hypothesis” (EMH), tratada aqui como a Hipótese dos Mercados Eficientes.

Mercados Eficientes

A parte mais famosa do trabalho de Fama é a EMH. Um mercado eficiente é aquele em que o preço real de um título, ou seja, aquele preço que aparece na tela do home broker, sempre será uma boa estimativa do preço justo. A grande consequência da EMH é que se ela for verdadeira, então os preços das ações são justos e não devemos perder tempo tentando superar o mercado.

Mas calma, torcedor  investidor! Com o passar das décadas o cenário mudou, novos testes empíricos foram realizados e boa parte dos defensores da EMH afrouxaram as regras de definição.

Agora, eles não acreditam que os mercados sejam perfeitamente eficientes a todo momento e em todos os lugares. A tese atual é de que na maioria dos casos, estamos mais próximos da eficiência do que distantes, e as diferenças são pequenas, sendo difícil obter lucro através delas.

Foi essa estratégia que o Barsi, Buffet e alguns outros botaram em prática ao longo da vida: encontraram na ineficiência do mercado ativos subvalorizados, compraram e ganharam muito dinheiro quando o preço deles foi em direção ao valor justo.

foto gestor

E é exatamente isso o que o Golden State Warriors de Stephen Curry fez! Encontrou uma ineficiência no mercado basquete e se tornou um dos times mais vitoriosos da história recente da NBA.

Curry, o Brinquedinho Assassino

Saindo das salas de aula da Universidade de Chicago, nos anos 60, e indo para as quadras de basquete da Califórnia, nos anos 2000, chegamos ao foco da nossa história.

Em 2010, a franquia do Golden State Warriors (GSW), um time de basquete da NBA, passava por dificuldades. Até que um grupo de executivos como experiência limitada, liderados por um investidor do Vale do Silício, resolveu comprar a franquia e tentar consertá-la levantando uma única questão: “o que aconteceria se você construísse um time de basquete, ignorando todas as ortodoxias sobre como montar um time de basquete?” Pela franquia, os investidores pagaram a bagatela de US$ 450 milhões🤑.

foto camisa de time

Para você ter ideia de como as coisas mudaram por lá, em 2010, ano da compra, o GSW não ganhava um título da NBA desde 1975.  Desde que assumiu o comando da equipe, a nova gestão colocou uma ênfase em números. Basicamente, todas as decisões eram tomadas através de números, por mais estúpidas que pudessem parecer.

Logo no começo, a nova abordagem rendeu vários insights, mas um deles em especial mudou a forma como o jogo é jogado: os arremessos de 3 pontos.

Caso você não tenha muita familiaridade com esse esporte, existe uma linha em formato de semicírculo a uns 7 metros na cesta. Arremessos com sucesso atrás dessa linha valem 3 pontos. Arremessos com sucesso entre essa linha e a cesta valem 2 pontos.

quadra de basquete

O que a nova gestão havia descoberto é que arremessar um pouquinho a frente da linha ou um pouquinho atrás da linha não mudava muito a probabilidade de acertar o arremesso, mas, por outro lado, a pontuação em caso de sucesso crescia em 50%, passando de 2 para 3 pontos.

Na matemática básica isso é a chamada esperança matemática.

O cálculo que eles fizeram é que, se em regiões próximas à linha de 3 pontos, um jogador teria cerca de, digamos, 33% de chances de acertar a cesta, não importando se ele estava um pouquinho à frente ou um pouquinho atrás da linha de 3 pontos. Então a cada arremesso tentado de 2 pontos ele teria uma pontuação média de 0,66 pontos, mas a cada arremesso tentado de 3 pontos ele teria uma pontuação média de 0,99 pontos.

Para ser mais preciso, só seria uma decisão eficiente tentar um arremesso de dois pontos em vez do arremesso de 3 pontos se ele tivesse 1,5 vezes mais probabilidade em acertá-lo.

Mas será que fazia sentido chegar a conclusões tão óbvias em um esporte que era praticado há mais de um século? Como ninguém pensou nisso antes?

Para responder a essa pergunta, precisamos entender a evolução da cesta de 3 pontos no basquete.

A regra dos 3 pontos foi adicionada na NBA apenas em 1979. Naquele ano, os jogadores não faziam ideia de como se adaptar à nova regra. A prova disso é que naquela temporada, apenas 3% dos arremessos foram de 3 pontos.

Nas três décadas seguintes esse número aumentou, até estagnar nos 22%. Para o mercado, representado pelos jogadores de basquete, esse número foi tomado como ótimo ou eficiente. Mas as coisas estavam prestes a mudar.

Com os números em mãos, a nova gestão do GSW partiu para o recrutamento de novos atletas. Naquele momento, o que eles mais queriam era encontrar jogadores com eficiência de 43% nos arremessos de 3 pontos. Em outras palavras, jogadores que possuíam 43% de chances de acertar um arremesso de 3 pontos, ou seja, uma pontuação média de 1,29 pontos a cada tentativa.

Só que eles nem precisaram ir muito longe. O ditado de que santo de casa não faz milagre, definitivamente não se aplicava ao Stephen Curry. Recrutado pelos Warriors em 2009, Curry não era nem de longe o protótipo de um All-Star da NBA. Mesmo depois de duas temporadas, as coisas andavam meio incertas pra ele lá na Califórnia.

Mas ainda assim, quando a nova gestão definiu a estratégia de explorar a ineficiência da linha de 3 pontos, eles tiveram a certeza de que Stephen Curry deveria ser a peça central do projeto.

Não poderiam estar mais corretos! Desde Nicolau Copérnico, não se via uma descoberta tão brilhante. Só que dessa vez o sistema solar tinha o formato de uma quadra de basquete e a estrela central era um armador de Ohio, com seus 1,88 metros de altura.

E esse foi só o começo!

Em seguida, trocaram o até então principal jogador do time, Monta Ellis. Naquele momento a torcida não entendeu o que estava acontecendo e na semana seguinte à troca, vaiaram um dos donos e investidores da equipe. O próximo passo da gestão do GSW foi construir uma equipe em torno de Curry. Foi assim que chegaram em Klay Thompson, outro excelente arremessador de 3 pontos.

jogadores de basquete

Depois disso, quando o time estava recrutando e contratando jogadores, a estratégia mudou e passaram a se perguntar: “Quem pode jogar com Steph e Klay?” Seguindo a nova estratégia chegaram jogadores como Andrew Bogut, Draymond Green, Andre Iguodala e Shaun Livingston.

O plano estava quase no fim, faltava só uma coisinha: um treinador que acreditasse no poder dos arremessos de 3 pontos.

Foi assim que trocaram o técnico Mark Jackson por Steve Kerr. Com o novo comandante, as tentativas de arremesso de 3 pontos dobraram, chegando a quase 45%. Lembra que, até então, a média do campeonato era de que apenas 22% dos arremessos eram de 3 pontos.

Pronto, agora era só deixar a “matemágica” agir.

A combinação de frequência e eficiência nos arremessos de 3 pontos teve um efeito enorme nos oponentes. Já na temporada de 2014/2015, Curry estabeleceu o recorde de arremessos de 3 pontos e o Warriors levou seu primeiro título da NBA em 40 anos.

jogadores de basquete comemorando

A partir daí, com a fórmula vencedora em mãos, a ideia passou a ser potencializá-la

Stephen Curry recebeu sinal verde para fazer arremessos de 3 pontos, independente das circunstâncias ou do lugar da quadra. Não importava se o arremesso era 1 centímetro atrás da linha de 3 pontos ou do último lance de escadas da arquibancada. Matematicamente, a eficiência de Curry era tão alta que fazia sentido deixá-lo arremessar.

O fim dessa história eu acho que você já conhece. Desde o início da estratégia, o GSW já foi campeão da NBA 4 vezes. Curry possui uma eficiência de 42,7% em arremessos de 3 pontos e é, de longe, o jogador com o maior número de acertos em cestas de 3 pontos da história.

Mas afinal, a forma como se jogava basquete era realmente ineficiente?

Desde a temporada do primeiro título do GSW, as tentativas de cestas de 3 pontos passaram de 21,5 cestas por jogo, em 2014/2015, para 34,2 cestas por jogo na temporada mais recente, 2022/2023.

A verdade é que os Warriors transformaram a linha de 3 pontos em um limite no tempo. Antes de Curry e companhia, o basquete era jogado entre a linha de 3 pontos e a cesta. Agora, cada vez mais ele é jogado atrás da linha de 3 pontos.

⏳ Atemporalidades

Leia agora, leve pra vida.

"Não se preocupe com a perfeição - você nunca irá consegui-la" - Salvador Dali, cineasta que faleceu há exatos 34 anos.

"A vida devia ser duas: uma para ensaiar, outra para viver a sério. Quando se aprende alguma coisa, está na hora de ir"

  • João Ubaldo Ribeiro, vencedor do Prêmio Camões, que completaria hoje 82 anos.

Por hoje é só pessoal 🤙

Bebam café, se hidratem e [...]

Boa semana e bons negócios!

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A tecnologia funciona como os pés da humanidade, já que é o que nos move em frente, rumo a novos destinos. Com nossos pés (e pernas), podemos caminhar, saltar e correr . Aliás, a metáfora é tão forte que até chamamos algumas invenções de "saltos tecnológicos": o domínio da agricultura, as grandes navegações, a profusão da internet.

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