Mercado Financeiro

Day Trade Realmente Funciona ou é tudo mentira?

12min de leitura

Leandro Siqueira

Leandro Siqueira

Estrategista de Investimentos, Co-fundador da Varos

Day Trader

Você já se deparou com alguma propaganda oferecendo cursos de Day Trade enquanto rolava o feed do Facebook ou procurava algo relacionado a investimentos no Google?

Se sim, provavelmente surgiu uma dúvida (sensata): será que o Day Trade realmente funciona?

Observação importante: Caso você não tenha ideia do que seja Day Trade, dá uma olhada nesse artigo aqui: O que é Day Trade? Aprenda as 3 melhores ferramentas para operar com essa técnica.

Apesar de ainda ser alvo de polêmicas, o debate sobre a real eficiência do Day Trade é antigo e remete ao lançamento do livro Japanese Candlestick Charting Techniques, de Steve Nison, que popularizou a análise gráfica no mundo.

De um lado, os Traders, defensores dessa prática, afirmam conseguir lucros consistentes operando somente por meio da análise técnica e de gráficos.

De outro, os investidores da escola fundamentalista, liderados pelo famoso Warren Buffett, se negam a admitir a credibilidade dessa técnica.

Mas, afinal, qual é o veredicto? O Day Trade realmente funciona?

Esse é um assunto bastante polêmico, então imagine o quão complexo é escrever sobre ele sem, inevitavelmente, gerar desavenças com pessoas que tenham opiniões contrárias (o que está longe de ser nossa intenção).

É quase um Fla x Flu do mercado financeiro.

Por isso, quero deixar claro que esse texto reflete apenas uma opinião própria sobre o assunto.

Essa opinião é baseada nestes 4 pontos:

  • A metáfora do Tabuleiro de Xadrez
  • Correlação ≠ Causalidade
  • O estudo da FGV sobre a rotatividade dos portfólios
  • Por que há tantos cursos?

A metáfora do Tabuleiro de Xadrez

Essa metáfora foi originalmente publicada por Simon Wardley em um texto no blog Hackernoon. O autor permitiu que nós a adaptássemos para esse tema.

“Imagine um mundo onde as pessoas jogam Xadrez umas contra as outras. Tanto seu status social como sua riqueza são determinados pelo quão bom você é jogando Xadrez. Rankings de jogadores de Xadrez são criados e os ganhadores são tratados como celebridades. A competição é tudo.

A parte mais estranha desse mundo é que, no entanto, ninguém nesse mundo jamais viu um tabuleiro de Xadrez. Quando eles jogam Xadrez nesse mundo, eles o fazem através de um painel de controle como esse:

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Cada jogador começa sua vez apertando um botão, referente à uma peça. Cada jogador sabe exatamente qual peça o outro competidor selecionou. As brancas (b) começam:

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As pretas (p) jogam, sendo seguidas pelas brancas (b) e novamente as pretas (p).

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O jogo continua até um certo ponto, geralmente depois de uma longa sequência de botões, em que o sistema anuncia que alguém ganhou ou que a partida empatou.

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Sem o conhecimento dos jogadores, existe, na verdade, um tabuleiro. Quando eles pressionam o botão referente ao peão, por exemplo, um dos peões é aleatoriamente selecionado e então movido pelo tabuleiro, também aleatoriamente.

Entretanto, tudo isso é escondido dos jogadores. Eles não têm ideia que existe um tabuleiro. Tudo o que eles veem são um painel para selecionar peças e… uma sequência!

Com base na sequência as pessoas desse mundo começam a encontrar padrões “favoráveis”. Por exemplo: os melhores jogadores aparentemente selecionam a Rainha com a maior frequência possível!

Aos poucos, as pessoas começam a aparecer com suas próprias combinações favoritas e tentam aprender com as combinações de outros vencedores.

“Quando seu oponente move o Rei, você deve responder com Rainha, Rainha, Torre.”, diz um jogador famoso.

Algumas pessoas desse mundo escrevem livros sobre táticas secretas como “A arte do Bispo” ou “As 10 sequências mais populares dos Vencedores de Sucesso”. Você já pode até imaginar o anúncio na InfoMoney sobre o “Jogador revela sua estratégia de Xadrez com maior taxa de acertos e indica 5 sequências”.

Lembre-se, essas pessoas não fazem isso porque são bobas, mas sim porque não tem o conceito de tabuleiro nesse mundo.

Agora vamos supor que uma dessas pessoas — por sorte, ou por acidente — descubra que o tabuleiro realmente existe e consiga interagir com ele.

Imagine que um dia você acabe jogando contra esse jogador, mas ele consegue ver algo diferente… o tabuleiro. Você começa planejando utilizar sua sequência favorita, abrindo com Peão, Peão, Rei. Você faz seu primeiro movimento.

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Ele responde com um Peão, você faz seu próximo movimento, ele joga novamente e você perde.

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“O que acabou de acontecer aqui?!” você grita. “Obviamente isso foi sorte!”

Mas, sempre que você joga contra esse jogador, você perde. E perde rápido. Você continua anotando as sequências que ele utiliza, no intuito de usá-las contra ele.

Ele te derrota com 2 botões — Peão (p) e Rainha (p) (conhecido como Mate do Louco) — ou com quatro botões — Peão (p), Rainha (p), Bispo (p), Rainha (p) (conhecido como Xeque Pastor). No entanto, você nunca consegue ganhar simplesmente copiando suas sequências.

As pessoas vão ficar espantadas com as habilidades incríveis desse jogador, mas também confusas por não poderem replicar seu sucesso. E vão começar a buscar todas as formas diferentes para explicar o que está acontecendo.

Talvez seja o ‘timing’? Talvez seja sua atitude, ou algo cultural? Ele parece estar feliz (por estar ganhando). É a felicidade o segredo para a invitória? Todos os tipos de correlações e especulações vão ser propostas.”

Porque essa metáfora faz todo sentido pro Day Trade

A mensagem dessa metáfora é clara: as pessoas tem a tendência natural de querer encontrar padrões no que veem. No entanto, um padrão por si só não significa nada.

Assim como o BigData, assunto original dessa metáfora, o Day Trade também é baseado em padrões estatísticos. Muitas vezes nem há matemática envolvida, apenas a observação de um investidor que “encontrou” um padrão nos gráficos.

E os padrões estatísticos por si só não podem ser tratados como uma lei. Ou seja, não tem sentido causal.

Para entender melhor, esse sentido causal, vamos ao próximo ponto.

Correlação ≠ Causalidade

Qual conclusão você chega ao observar um gráfico como esse?

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Como você é esperto, provavelmente concluiu que os dados tem uma grande correlação. Afinal, sempre que um deles cresce, o outro também cresce e vice-versa.

Agora, é possível afirmar a partir disso que há uma relação de causalidade entre eles? Ou seja, se eu diminuísse um deles, o outro necessariamente diminuiria?

Caso você tenha respondido que sim, é melhor olhar o gráfico completo:

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Esse gráfico, que aparentemente mostra duas coisas muito correlacionadas, na verdade relata o número de afogamentos por queda em piscinas e o número de filmes em que o Nicolas Cage apareceu.

Se houvesse uma relação de causalidade entre eles seria possível acabar com os afogamentos simplesmente proibindo o Nicolas Cage de fazer filmes!

Estranho né?

O nome para fenômenos como esse é correlação espúria. Ela ocorre quando aparentemente há uma grande correlação entre duas coisas, porém sem nenhum sentido prático.

Infelizmente, essas correlações não se limitam a filmes de Hollywood.

No mercado financeiro tem sido cada vez mais frequente a divulgação de correlações espúrias como ferramentas para prever as movimentações do mercado e ganhar dinheiro com isso.

Quantas vezes você já não viu alguma entrevista e um Trader dizendo que “sua estratégia com gráficos funciona em 80% das operações”? Ou que “aquele padrão de Candlestick aponta que a bolsa vai subir com certeza”?

Apesar dos percentuais altos e de toda a aparente complexidade dos gráficos, não se deixe enganar. Até porque, se você for se basear nisso, quem mais acertou o futuro da bolsa de valores americana foi a produção de manteiga em Bangladesh.

Toda vez que alguém te disser: “A bolsa vai cair, pois o gráfico está formando uma figura tal. Sempre que forma essa figura a bolsa cai!”, desconfie e lembre-se de que correlação não significa causalidade.

Muito provavelmente isso é apenas uma correlação espúria.

O estudo sobre rotatividade dos portfólios

Em 2014, um estudo liderado por Pedro Luiz Albertin e William Eid Junior se debruçou sobre a seguinte questão:

“Os gestores brasileiros que compram e vendem ações com muita frequência conseguem obter resultados melhores do que aqueles que carregam as ações por muito tempo?”

Para isso, os pesquisadores analisaram 95 fundos de investimento durante o período de 2007 até 2011.

O resultado que eles encontraram foi esse:

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Se o Day Trade fosse realmente eficaz, grandes fundos contratariam Traders e obteriam resultados incrivelmente melhores se comparados aos fundos que simplesmente compram uma ação para carregar no longo prazo.

No entanto, a pesquisa nos mostra que, ao contrário do imaginado, os fundos que vendiam e compravam ações com muita frequência obtiveram um resultado pior do que aqueles que as carregavam por um longo período de tempo.

Ah, vale dizer que a hipótese inicial do estudo era que a alta rotatividade ajudaria o gestor a ter resultados melhores.

Dessa forma, a conclusão da pesquisa foi uma surpresa até mesmo para os pesquisadores.

Se apenas os argumentos anteriores não tinham sido suficientes para te convencer de que o Day Trade não funciona, tenho certeza de que após esse estudo isso mudou.

Afinal, se os gestores — que são os profissionais mais capacitados para investir no mercado financeiro - não conseguem fazer o Day Trade funcionar, quem conseguirá?

Mas, se o Day Trade não funciona…

Por que existe tanto curso de Day Trade?

Entender como elas ganham dinheiro é fundamental para seguirmos adiante.

A maioria dos cursos de Day Trade é oferecido por corretoras ou portais de notícias vinculados a elas. E isso não é a toa.

Ter muitos Traders em sua base de clientes é extremamente lucrativo para as corretoras.

Como um Trader compra e vende ações diariamente, ele acaba gastando muito mais com taxas de corretagem do que um investidor de longo prazo.

Aliado a isso, muitas corretoras ainda cortaram a taxa de custódia (uma estratégia para ganhar mercado frente à grande concorrência), tornando o investidor de longo prazo ainda menos lucrativo para elas.

Dessa forma, elas tiveram que adotar um estratégia para formar novos Traders e aumentar sua base de clientes desse tipo.

Para isso, muitas começaram a oferecer cursos — até mesmo gratuitos — e a divulgar o sucesso de seus Traders, criando o conceito de que era possível ganhar dinheiro de forma rápida e segura na bolsa de valores.

Coincidentemente, nenhuma grande fortuna foi formada por investidores que adotassem essa prática.

Sendo assim, se você é um iniciante na bolsa de valores e não sabe por onde começar, evite ao máximo ser persuadido por técnicas que prometam ganhos milionários, em pouco tempo e sem risco.

Afinal, se fosse possível, todos já estariam ricos.

Eaí, curtiu esse artigo? Acha que o Day Trade realmente não funciona ou já conseguiu bons resultados com ele?

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